Utópico(s) no Mitus

Mitus

Foi há muito tempo. Eu pensei-o. Eu criei-o. É um mitus...

terça-feira, outubro 12, 2004

Agora que já ninguém quer saber

Depois de tanto se ter dito e escrito sobre a questão, pensei seriamente em não escrever sobre o aborto. Nem sequer quero divagar sobre a hipótese da despenalização. Nem sequer desejo exprimir a minha opinião acerca disso. Aborrece-me que o tentem fazer: os pró e os contra-aborto.

Em 1996 vivi de muito perto um caso de aborto depois das 12 semanas. Muito próximo, dentro da minha própria casa. Acompanhei tudo desde o início. Em especial a ilusão de que a criança seria feliz na vida que lhe era adivinhada. Diga-se o que se disser, nunca é de ânimo leve que uma mulher faz um aborto. O que acontece é que outras questões, que não as éticas, se levantam na altura de decidir entre a vida ou a não-vida. E por não-vida entenda-se tanto a morte como aquela existência sem vida. E por vida entenda-se tudo o que de mínimo é exigido ao bem estar de uma criança. Amor, família, condições de higiene e segurança e, sobretudo, perspectivas de crescimento saudável.
Tenho a certeza de que, se a tal criança tivesse vivido, hoje seria uma criança igual às outras. Já a mãe... não sei se ainda seria mulher, mãe, indivíduo. Provavelmente ter-se-ia apagado na infelicidade de não poder oferecer à criança aquilo que sempre desejara. Provavelmente teria mesmo decidido deixá-la com os avós ou com os tios, mas sempre com terceiros. Provavelmente seria infeliz por ter decidido de acordo com as regras da sociedade e não com as regras do SEU coração.
A mãe, agora mesmo mãe, chorou muito pela decisão que tomou, mas foi a que mais pesou na balança do SEU coração. Porque são assim as decisões que tomamos na vida: deixamos sempre alguma coisa para trás. E fica sempre a dúvida: como teria sido?
Hoje, passados que estão uma série de anos, sinto que também eu teria feito o mesmo. Porque ter um filho não são nove meses de gravidez: é uma vida inteira. Ou deveria ser. Ter um filho não é como comprar casa ou carro - "aquilo" é nosso para sempre - com tudo o que de bom e mau daí advém.
Eu faria um aborto se o MEU coração mandasse. E não há nada que eu queira mais do que ser mãe.