Utópico(s) no Mitus

Mitus

Foi há muito tempo. Eu pensei-o. Eu criei-o. É um mitus...

sábado, dezembro 04, 2004

Garagens

Incentivada pela Gabardina, fui buscar coisas à memória que, sinceramente, já as tinha recalcado. Garagens.
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Numa fase muito tenra da minha vida tinha medo de garagens. Eram lugares escuros, a cheirar a mofo, com coisas ancafuadas e, normalmente, com mobílias antigas tapadas por lençois ainda mais antigos. Depois, nem me lembro como, desmistifiquei a coisa, e garagens passaram a representar lugares onde se guardavam recordações. Em plena adolescência, 14, 15 anos, as garagens deslocaram-se para o plano do metafísico. Explicá-las será um esforço quase inútil. E digo quase porque vou tentar.
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O Fábio, rapaz jeitoso da turma, tinha uma garagem grande, com dois espaços distintos, inclusive. No mais visível montámos um mini palco, onde a banda do Ladeira, do Bráulio, do Raminhos e do Besugo deveria ensaiar. Cheguei a assistir aos ensaios, mas a banda nunca saiu da garagem. Tocavam Steve Vai, Lou Reed, Bob Marley, Doors, entre outras coisas que achávamos fixes. Chegámos a escrever originais. Era giro. Muito giro.
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Mas voltando à garagem do Fábio... Na segunda divisão, montámos uma espécie de santuário. Colámos posters na parede, espalhámos almofadas pelo chão, cada um levou um cobertor quentinho e, regra geral, muito velhinho. Levámos velas de muitas cores. O Fábio levou a aparelhagem. O Edgar levou a televisão. O Besugo levou o VHS. A Mariline levou um candeeiro de pé alto. Todos levámos vídeos. Todos levámos música. Todos levámos livros.
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Ouvíamos Portishead, Doors, Bob Marley. Víamos o "Clube dos Poetas Mortos", o "Trainspoting", as aventuras do MacGiver. Líamos a "Viagem ao Mundo da Droga", "A Lua de Joana", Fernando Pessoa, Aquilino Ribeiro. Escrevíamos letras e canções. Poemas e narrativas. Conversávamos. Discutíamos ideias políticas, nunca ideais. fumámos. Bebemos.
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Um dia a garagem foi vendida. Não fazia falta nenhuma à mãe do Fábio. Pensava ela. A nós fazia muita. Nessa altura as garagens ganharam, novamente, um outro significado. Representavam amizades, adolescência, saudades, música, leitura, cinema, emoções, choros, risos...
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Hoje são lugares onde se arrumam carros e ferramentas. Mas terão sempre um significado especial, quase metafísico. Será sempre impossível descrever melhor.